Creio que ao ler o título você se lembrou da Chapeuzinho Vermelho, né? Fita Verde no Cabelo é um conto ENCANTADOR do Guimarães Rosa que dialoga com o famoso conto dos irmãos Grimm, Chapeuzinho Vermelho. Não me refiro àquele conto que tem o final feliz graças ao caçador que salva Chapeuzinho e sua avó, esse é adaptação. Na versão original dos Grimm, a que me refiro, o Lobo Mau devora as duas.
Bom, já vou logo avisando que esse será um longo post. Se até agora não se interessou pelo assunto, tem preguiça de ler, aconselho que nem continue. Porque quando o tema é conto de fada, eu fico empolgada e falo muito mesmo! rsrs
O título é Fita Verde no Cabelo: Nova Velha Estória, porque é uma releitura (novo, atual) de uma velha estória, o conto de fada. Há muitos elementos no conto Fita Verde que rementem de imediato ao conto dos irmãos Grimm, mas definitivamente não é uma cópia, nem falta de criatividade. Guimarães Rosa se baseou no conto dos Grimm, pegou a mesma temática e a colocou num outro contexto, abordando questões ausentes no conto original.
Como é de conhecimento geral, não é muito fácil ler Guimarães Rosa. A linguagem rebuscada, o estilo, os neologismos podem intimidar quem não está acostumado. Mas peço aos que nunca leram que persistam e leiam, os textos dele são lindos e riquíssimos. A cada leitura e releitura descobrimos algo novo. Pode parecer exagero, mas eu acho que esse conto deve ser lido pelo menos duas vezes seguidas, pois na primeira vez algumas palavras e construções sintáticas e semáticas podem causar um pouco de incompreensão. Na segunda vez fica bem mais claro. Espero que leiam. Abaixo do conto, vou escrever minhas impressões.
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam.
Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia.
Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.
Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo.
Então, ela, mesma, era quem se dizia:
– Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.
A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vinha-lhe correndo, em pós.
Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa.
Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
– Quem é?
– Sou eu… – e Fita-Verde descansou a voz. – Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.
Vai, a avó, difícil, disse: – Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe. Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo:
– Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.
Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
– Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!
– É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta… – a avó murmurou.
– Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!
– É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta… – a avó suspirou.
– Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?
– É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha… – a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou:
– Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
Já no primeiro parágrafo, encontramos o neologismo "velhavam", velhos e velhas que velhavam. Penso que "velhar" não tem o sentido de "envelhecer", soa diferente "velhos e velhas que envelheciam" e "velhos e velhas que velhavam", além da gostosa aliteração com o v, velhar transmite o sentido de fazer coisas típicas dos mais velhos. Então na frase "velhos e velhas e velhavam", eu entendo que eram velhas que tricotavam, velhos que jogavam dominó na calçada, etc.
"Homens e mulheres esperavam" esperavam o quê? O verbo esperar pede complemento...esperavam velhar, ué! rsrs Afinal, era uma aldeiazinha em algum lugar, sem grandes expectativas.
"Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto." Por enquanto o quê? Por enquanto ela não tem juízo, maturidade, por enquanto ela é uma meninazinha.
Aí esperamos o Lobo Mau, o bicho peludo que comeu a Chapeuzinho no conto dos Grimm. Mas...Guimarães quebrou a expectativa do leitor, anunciando que não havia mais lobos, pois os lenhadores os exterminaram.
Fita Verde pegou o caminho mais longo e nele foi se distraindo. Ao chegar na casa da vovó, encontrou-a muito debilitada e se deu conta, para sua tristeza, que havia perdido sua fita verde. Em seguida, ocorre um dialogo muito semelhante àquele famoso diálogo da Chapeuzinho Vermelho com o Lobo, lembram? "Vovó, que olhos tão grandes!" "É pra te ver melhor, minha netinha".
Esse último diálogo em Fita Verde é muito emocionante, pois são as últimas palavras da avó para a neta.
– Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!
– É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta… – a avó murmurou.
– Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!
– É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta… – a avó suspirou.
– Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?
– É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha… – a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou:
– Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
Fita Verde declara que sente medo do Lobo, mas anteriormente foi dito que não existia mais lobo. Na verdade, Lobo é uma metáfora para morte, para a perda. Ele não aparece em forma de animal feroz, mas aparece na forma da morte. Na minha opinião, a temática desse conto é a passagem para a maturidade, a perda da inocência, entender que nem tudo dura para sempre. No segundo parágrafo, o autor diz que Fita Verde era uma meninazinha sem juízo. O que provocou a passagem dela para a maturidade foi a perda da avó, de um ente querido. Não é à toa que a fita é verde, verde remete à imaturidade, uma fruta que não está madura. Também não foi à toa que Guimarães Rosa escreveu que ela havia perdido a fita verde, ou seja, finalmente ela havia amadurecido.
Quantas pessoas já não perderam um ente querido? Seja pai, mãe, avó,irmão, amigo...Quem perdeu com certeza será tocado por esse conto. Quem perdeu, com certeza nunca mais foi o mesmo. Sempre que eu leio esse conto, lembro do meu avô e do quanto eu mudei após sua partida. Também lembro da minha avó, que também já se foi, debilitada pela doença.
Apesar de ser um conto bem curto, há muito pano pra manga. Há outras interpretações, há trechos que não entendi. É conto pra se ler sempre...
O que acharam? Tem alguma opinião, interpretação do conto? Conte-me!
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