segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Dia do Curinga - Jostein Gaarder


Sinopse:

"Você já pensou que num baralho existem muitas cartas de copas e de ouros, outras tantas de espadas e de paus, mas que existe apenas um curinga?", pergunta à sua mãe certa vez a jovem protagonista de O mundo de Sofia.
Esse é o ponto de partida deste outro livro de Jostein Gaarder, a história de um garoto chamado Hans-Thomas e seu pai, que cruzam a Europa, da Noruega à Grécia, à procura da mulher que os deixou oito anos antes. No meio da viagem, um livro misterioso desencadeia uma narrativa paralela, em que mitos gregos, maldições de família, náufragos e cartas de baralho que ganham vida transformam a viagem de Hans-Thomas numa autêntica iniciação à busca do conhecimento - ou à filosofia.


O dia do curinga é a história de muitas viagens fantásticas que se entrelaçam numa viagem única e ainda mais fantástica - e que só pode ser feita por um grande aventureiro: o leitor.



Há muito tempo eu queria ler algo do Jostein Gaarder. Eu sei que ele é mais conhecido pelo livro O Mundo de Sofia (que também está na minha mira), mas foi O Dia do Curinga que me atraiu mais, talvez porque a figura do curinga (até conhecer a obra, eu achava que única forma correta era coringa) sempre me interessou. Comprei o livro numa promoção do Ponto Frio e comecei a lê-lo de madrugada, pois não estava com muito sono. Quando o livro é razoável, o sono vem, mas quando livro é muito bom, o sono passa e fico devorando páginas e mais páginas. Acontece que O Dia do Curinga é MUITO bom, terminei rápido a leitura e fiquei querendo mais...

Pelo título e capa do livro, dá pra presumir que a história tem algo a ver com baralho. Na verdade, tem tudo a ver com baralho, até eu que não sou fã do jogo achei genial a relação da história com as cartas de baralho. Algumas relações: o livro tem 52 capítulos e o baralho tem 52 cartas (fora os coringas), cada capítulo tem o nome de uma carta, é divido em 4 partes com o nome dos naipes. Hans-Thomas, o protagonista, passou sua infância toda jogando paciência, enquanto seu pai colecionava todos os tipos de coringas. Há muitas outras relações que vão se revelando no desenrolar do livro.


O livro é sobre a viagem de Hans-Thomas e seu pai da Noruega à Grécia, em busca de Anita, a mulher que os abandonara há 8 anos, quando o menino tinha apenas 4. Ela alegou que precisava se encontrar, mas essa busca por si mesma já durava há mais tempo do que pai e filho podiam suportar. Logo no início, Hans-Thomas expressa sua incompreensão diante da atitude da mãe. Vale destacar:

"Meu conselho para todos os que querem se encontrar é continuarem bem onde estão. Do contrário, é grande o risco de se perderem para sempre." (p.17)

Hans-Thomas é o narrador da história (narrador protagonista), desde o início nos solidarizamos com a dor dele devido à ausência da mãe, a busca por respostas, a dúvida se vão encontrá-la e, se encontrá-la, a incerteza se ela voltará com eles. Depois que o pai viu a esposa linda e fina pousando numa capa de revista, compreendeu que ela havia "se perdido" no mundo da moda, por isso decidiu ir à procura dela.

Saindo de Arendal na Noruega de carro rumo à Grécia, pai e filho compartilham uma viagem riquíssima, com direito a muitas paradas para turistar e altos papos filosóficos. O pai, apesar de beber e fumar demasiadamente para o desagrado do filho, demonstra ser um excelente pai, invejável até. Apaixonado por filosofia, compartilhava com o filho seus pensamentos e seu conhecimentos, as paradas para o  cigarrinho eram verdadeiras aulas de filosofia. Esses são meus momentos favoritos do livro, pois as questões abordadas pelo pai eram interessantíssimas e eu nunca havia parado para pensar nelas. Eu me senti como o Hans-Thomas: apenas engatinhando nos assuntos da filosofia, mas com grande vontade de aprender e deslumbrado com a sabedoria do pai. Acho que é bem assim, nós leitores somos o Hans-Thomas, enquanto o pai é o porta-voz das ideias geniais de Jostein Gaarder.

O livro é cheio de diálogos impressionantes. Vou destacar outro que me marcou muito:

- Você nunca pensou em procurar uma outra mulher, em vez de passar metade da sua vida procurando aquela que também vive se procurando?
Primeiro meu pai deu boas gargalhadas, depois disse:
- É verdade...está aí uma coisa misteriosa. Existem cerca de cinco bilhões de pessoas neste planeta. Mas a gente a acaba se apaixonando por uma pessoa determinada e não quer trocá-la por nenhuma outra.

Até certo ponto parece uma história comum, mas de uma hora para outra ocorrem situações estranhas e muitos enigmas surgem para quebrar a cabeça de Hans-Thomas e do leitor. O primeiro fato estranho é o encontro com um anão num posto de gasolina na Suíça, onde o pai parou para pedir informação. O anão indicou o caminho para Dorf e entregou ao menino uma lupa, avisando que ela seria muito útil em Dorf. Ao chegarem na cidadezinha, descobriram o anão ensinara o caminho mais distante de Veneza, o destino deles. Três mistérios surgem: Por que o anão não ensinou o caminho correto? Como ele sabia que os dois eram de Arendal? E por que deu ao menino uma lupa?

Enquanto o pai "molhava o bico", Hans-Thomas saiu para conhecer o lugar, parou em frente a uma padaria e logo foi atraído por um peixinho laranja. Notou que faltava um pedaço de vidro do aquário e que sua lupa se encaixava perfeitamente nele, como fosse oriunda dali. Percebeu também que não era simples peixinho laranja, quando a luz do sol bateu no aquário, o peixinho refletiu diversas cores, surreal. Surgiu, então, o padeiro, um velhinho simpático, que logo lhe ofereceu um refrigerante. O menino contou que era de Arendal e estava em busca da mãe perdida. O velho padeiro pegou quatro pãezinhos doces e entregou ao menino, fazendo-o prometer que só iria comer o pão maior quando estivesse sozinho. Hans-Thomas cumpriu a promessa, ao ficar sozinho no quarto, começou a comer o pão maior e descobriu dentro dele um livrinho, cujas as letras eram tão pequenas, que era impossível ler. Lembrou-se, então, da lupa que ganhara do anão, com ela conseguiu ler.

No livrinho, havia relatos do padeiro, Ludwig, de como ele chegou na cidadezinha após a Segunda Guerra, como foi acolhido por Albert, que era o padeiro na época. O que vou falar agora não é spoiler, pois com certeza todos que leram tiveram essa desconfiança. O avô paterno de Hans-Thomas era um soldado nazista chamado Ludwig, que tivera um breve romance com uma jovem norueguesa e teve que abandoná-la antes de saber sobre a gravidez. O fruto desse breve romance é o pai de Hans-Thomas, que além de sofrer preconceito na infância nunca chegou a conhecer o pai (Tudo isso é explicado no comecinho do livro, portanto não é spoiler). Por coincidência ou não, o nome do padeiro era o mesmo do avô do Hans e padeiro também fora um soldado nazi, que por motivos de força maior teve que deixar seu grande amor num país do Norte. Ludwig, sem ter para onde ir, foi acolhido por Albert, o velho padeiro que lhe ensinou o ofício e deixou para ele sua  padaria e a casa. Muitas coincidências, não é mesmo? Logo bate a dúvida no leitor: será o padeiro o avô do Hans-Thomas?

A partir do momento que Hans começa a ler o livrinho, nós leitores mergulhamos em várias histórias; uma história dentro da outra; um relato dentro do outro. Ora estamos no presente, acompanhando o percurso do Hans com o seu pai à Grécia, ora estamos no relato de Ludwig. Sobre os relatos, primeiro temos o relato de Ludwig, o soldado que chegou à Dorf e logo foi amparado pelo padeiro Albert. Em seguida, há o relato de Albert (contando para Ludwig), que quando menino perdeu a mãe e ficou só com o pai alcoólatra. A salvação do pequeno Albert foi o padeiro Hans, que o tratou como um filho. O último e mais fascinante relato é o do padeiro Hans, que contou para Albert suas aventuras incríveis.
Nossa, que complicação! Deixa eu tentar simplificar: O narrador do livrinho é Ludwig, que registra no livro as histórias que Albert lhe contou. Albert narra a sua vida e como conheceu o padeiro Hans, por último, conta para Ludwig as aventuras que Hans lhe contara. Ou seja, uma história dentro da outra! A história do padeiro Hans é realmente FASCINANTE, pra mim, é uma das melhores partes do livro.

Logo percebemos que não foi por acaso que Hans-Thomas conseguiu o livrinho, pois os relatos de Hans (o padeiro) tem MUITA relação com a vida do menino e com a busca dele pela mãe. Mas como uma história que ocorreu há mais de 100 anos tem ligação com a vida de Hans-Thomas? Esse é um grande mistério e logo Hans-Thomas vai fazer a si mesmo essa pergunta.

Durante todo o trajeto para a Grécia, Hans-Thomas lê o livrinho e vai fazendo descobertas. Finalmente chegam ao destino, Atenas, e vão em busca da mãe. Será que eles encontraram Anita? Será que ela voltaria para eles? Para mim, isso é o de menos na história.

O Dia do Curinga fala sobre viagem, não só a viagem em busca da mãe, mas principalmente a viagem em busca de si mesmo, para SE encontrar, refletir sobre quem somos e de onde viemos. Acho que outro autor teria escrito apenas uma história de pai e filho em busca da mulher que os abandonara, Jostein Gaarder, por sua vez, aborda questões tão tão profundas, muitas das quais nunca paramos para refletir.

Foi muito difícil fazer essa pequena resenha, devido à grandiosidade do livro. Fiquei com vontade falar bem mais, escrever vários trechos marcantes, mas assim eu prejudicaria que ainda não leu. Por favor, leiam!

Ficha técnica:

Título: O Dia do Curinga
Autor: Jostein Gaarder
Editora: Cia. das Letras
Ano: 1996
Tradução:  João Azenha Jr.

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